SOCIEDADE LAMATRONIKA - Página Oficial / Official Page

Photobucket - Video and Image Hosting

Translate

sábado, 27 de outubro de 2007

CARTA 0: O LOUCO

Estultice, segundo a opinião comum, significa a arte de representar sem razão. Cesare Ripa tem isto a dizer em sua “Iconologia” de 1603: "Non è altro l'esser pazzo, secondo il nostro modo di parlare, che far le cose senza decoro, e fuor dal comune uso de gli huomini per privationi di discorso senza ragione verisimile o stimolo di Religione" (“Sendo mal, segundo nossa forma de falar, nada significa senão fazer coisas sem dignidade, e fora do uso comum dos homens, devido a carência de discurso sem razão plausível ou estímulo da Religião”). No Evangelho, aquele que não acredita é considerado um tolo, e freqüentemente figuras de tolos aparecem em Bíblias dos Séculos 15 e 16, ilustrando o Salmo 52 “O tolo tem dito em seu coração, Não há Deus!” Em uma Bíblia do Século 16, eu encontrei a mesma pintura do tolo como no minchiate Florentino (Figura. 1): um homem vestido em trapos, com penas fixadas em seus cabelos, que caminha transportando uma vara; em sua mão, ele segura um molinete, e crianças aparecem entorno dele (Figura 2). Ripa, novamente, fornece uma idêntica descrição: “Um homem adulto estará rindo, e transportando um junco; em sua mão direita, ele segurará um molinete de papel, um agradável instrumento e um divertimento para crianças, que tomam grande cuidado em fazê-lo girar no vento”.

O mesmo autor nos diz que "reputandosi saviezza nella città ad un huomo di età matura trattare de reggimenti della famiglia e della Repubblica, Pazzia si dirà ragionevolmente alienarsi da queste attioni, per esercitare giuochi puerili e di nessun momento" (“Na cidade, é levado a obter sabedoria por um homem maduro a se engajar em assuntos de família e da República, conseqüentemente será razoável chamá-lo de Tolo por abster-se dessas ações, a fim de brincar com jogos infantis, sem importância”). O sorriso do tolo, que encontramos na carta do assim chamado Tarô de Charles VI e naquele de Ercole I d’Este, é "facilmente indicio di pazzia, secondo il detto di Salomone; però si vede che gli uomini reputati savii poco ridono e Christo N.S. che fu la vera saviezza, e sapienza, non si legge, chi ridesse giammai" (“facilmente indício de tolice, segundo as palavras de Salomão; todavia, alguém pode ver que os homens considerados sábios raramente sorriem, e de Nosso Senhor Cristo, que era verdadeira sabedoria e conhecimento, jamais lemos que ele sorriu”). Uma estampa a água-forte do Século 16 apresenta um tolo sorrindo diante de um anjo, que cobre seus olhos com suas mãos a fim de não ver uma ação irracional (Figura 3).
Na carta iluminada dos Tarôs Visconti-Sforza, o tolo carrega penas em sua cabeça e uma vara em seu ombro (Figura 4). Uma figura similar foi pintada por Giotto na Capela Scrovegni em Pádua, como uma imagem de "Stultitia" (“Insensatez”) (Figura 5). Neste fresco, o tolo leva entre seus lábios um objeto que encontramos nesta alegoria que é incrementado pela presença de penas na cabeça do personagem. Devemos antes de tudo considerar que nos tempos antigos, asas, penas e plumagem eram usadas como símbolos de velocidade. Cartari em seu trabalho "Imagini de gli Dei de gl'Antichi" (“Imagens dos Deuses dos Antigos”) de 1647 repetidamente menciona os atributos do Sol-Apolo. Estes incluem asas e penas, significando a velocidade da perspicácia de Apolo, e da trilha seguida pelo Sol. Considerando a plumagem da cabeça de Mercúrio, os autores dizem isso “Foram dados penas a Mercúrio, porque, quando se fala – que ele era o Deus – suas palavras costumavam voar através do ar, como se tivessem asas. Isso é porque Homero sempre falava das palavras como rápidas, aladas e emplumadas”. Sebastian Brant em seu “Der Narrenschiff” (O Barco dos Tolos) de 1494 no soneto LVII “A Divina Providência”, tem isso a dizer sobre tolos presunçosos “Alguém pode mesmo encontrar tolos que clamem dourar suas penas acolchoadas com palavras, e se acreditam sábios...”. As penas da cabeça do tolo representam assim os muitos elementos que o tolo está carecendo, que é a velocidade e intelecto, além de palavras adequadas. De fato, o cadeado selando a boca do tolo, como pintado por Giotto, leva esta função, visto que o tolo por outro lado não falaria apenas palavras insensatas, como descritas nas palavras da Bíblia, “As palavras da boca de um sábio são graciosas; mas os lábios de um tolo o engolfará. O início das palavras de sua boca é insensatez; e o final de sua fala é loucura travessa” (Eclesiástico 10:12, 13).

Uma versão virtualmente idêntica àquela do tolo da carta Visconti-Sforza foi descoberta recentemente. Este é um modelo copiado a partir do original anterior, também datando por volta de Século 15, derivado do mesmo maço de Trionfi do qual já conhecemos as cartas do Sol, do Valete de Espadas e dos Amantes da coleção de Amadeo Cocchi. (As duas cartas da mesma coleção, que é o Cinco de Pantáculos e o Dois de Copas são de uma data ligeiramente posterior, e pertence a um outro maço). Nos tarôs Ercole I d’Estes, o tolo aparece quase despido.

Concernente a isso, Ripa escreve que "La Stoltizia si dipinge ignuda perché il pazzo palesa i suoi difetti ad ognuno, senza vergogna" (“A Estultícia é pintada despida, porque o tolo apresenta seus defeitos a todos, sem qualquer vergonha”). Nos chamados Tarôs de Charles VI, o tolo veste uma capa com enormes orelhas de asno, apresentando assim sua natureza bestial, e usa na roupa debaixo um design incrivelmente moderno (Figura 6). A imagem é muito parecida com a de um tolo apresentado em um códice de Bolonha datando por volta da segunda metade do século 15 (Figura 7) carregando o costumeiro junco, mas de uma forma onde parece atravessar a palma de sua mão (uma relação alegórica com a o estigma do Nosso Senhor) como pode ser visto, em uma forma mais clara, em xilografia no trabalho mencionado acima, por Brant. A presença de um junco, que tem a mesma função como a vara, é justificada nesta forma “Ele que deseja se divertir sem limites terá senão um suporte de um frágil junco” (Soneto LVII).

Uma variante iconográfica concerne à representação do Tolo a ser encontrada nos chamados Tarôs de Mantengna onde um cão ataca as coxas de um indigente (Figura 8). Essa tipologia permanecerá fixa por toda produção posterior de Tarôs. Uma espécie de carga também aparecerá no topo da vara, sustentado contra um ombro. A presença de um cão, próximo a um viajante indigente, é típica na arte Medieval, e provê um toque de realismo, visto que este animal latiria e freqüentemente atacaria vagabundos que se aproximassem das casas a fim de mendigar por caridade.

Um bem conhecido exemplo pode ser encontrado na representação do “Filho Pródigo” (Figura 9) e do “Caminho de Vida” em “Haycart Triptych” de Bosch. Considerando isso, existe uma interessantíssima estampa a água forte do Século XV por Israel van Meckenem (Figura 10). O simbolismo diabólico associado com instrumentos de sopro – flauta e gaita de foles, contrastando com os instrumentos de cordas “celestiais” – apresenta a qualidade negativa da estampa a água forte. Por outro lado, a presença do cão relaciona o bobo da corte com o indigente, fazendo assim uma ponte entre as duas variantes iconográficas.

Devemos considerar agora um outro aspecto do tolo, desta vez associada com sua mística e visão sagrada. A Carta aos Coríntios estava muito em voga durante a Renascença. Algumas de suas palavras refletem a relação que existe entre Tolo e o Divino: “Pois a palavra da cruz é para aqueles que perecem tolamente” (I, 1, 18); “Que nenhum homem decida por si mesmo. Se qualquer homem pensa que é sábio entre vocês neste mundo, que se torne um estulto, para que ele possa se tornar sábio. Pois a sabedoria deste mundo é loucura com Deus.” (I, 3, 18-19). E é somente pela desistência dos bens materiais que o homem pode alcançar Deus, segundo o pensamento Cristão. O tolo, porque possui esta prerrogativa, foi as vezes visto como alguém inspirado, apenas a um passo do Divino. E é sempre Brant que satiriza sobre a vã glória dos tolos: “Eles acreditam que Deus os tem beneficiado, e tem deixado a eles Sua dádiva para sempre”. (Soneto LVII).
Concernente a divina natureza do tolo em relação aos tarôs, existe um manuscrito de sabedoria intelectual e moral de um autor anônimo do Século 16, que descobri na Estense Library de Modena e mais tarde submetido a atenção de Pietro Marsilli. A fim de conquistar o calor de uma senhora na corte, uma certa Mamma Riminaldi, o autor anônimo não encontrou nenhum remédio melhor do que tirar uma carta do maço de Tarôs, o tolo “que é o cérebro divino”. Isso é porque a mais antiga lista conhecida de Tarôs, os “Sermones de ludo cum aliis”, coloca “El matto” (“O louco”) próximo ao “El mondo” (“O mundo”), que é o Deus Pai.

Imagens do Texto:

Figura 1.

Figura 2.
Figura 3.

Figura 4.

Figura 5.
Figura 6.
Figura 7.
Figura 8.

Figura 9.


Andrea Vitali
- 2004©
Tradução de Cláudio Carvalho, 2007©
TECHNU® – Órgão de divulgação da Ciência Tarótica
SOCIEDADE LAMATRONIKA® - Todos os direitos reservados.
Related Posts Plugin for WordPress, Blogger...